quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Caipora e o tatu Juão - contação de causo

Conta Câmara Cascudo* que, depois de uma caça memorável no Rio Grande do Norte, um grupo de homens se reuniu para assar e jantar um tatu. Pobrezinho, estava sendo assado no próprio casco. Tiraram-lhe o intestino, e espetaram-lhe uma vareta para posicioná-lo sobre o fogo. E, como de costume macho, começaram aquela conversa mole em que repassavam, um a um, os feitos do dia. E eis que, numa surpreendente velocidade, veio a Caipora montada em seu porco do mato e gritou para o tatu: vambora, Juão. E o tatu Juão, meio assado e sem víscera saltou e, junto com ela, fugiu como um relâmpago. 

Pra quem não sabe, Caipora ressucita animais mortos. Legal, né?

* Geografia dos mitos brasileiros, Editora Global, 2002.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Há algum livro como Macunaíma para cultura negra?

Em tempos de IA, resolvi perguntar ao chat se havia algum livro, de autor brasileiro, que se comparasse ao Macunaíma, que tratasse de questões de identidade, de linguagem, e de tantas outras coisas que Mário de Andrade reuniu nesse livro a partir da cultura dos povos originários, mas que fosse a partir da perspectiva do folclore e do negro. Nada do que foi respondido me pareceu satisfatório satisfatório. Há diversos livros que tratam da dinâmica da colonização, da escravidão e da desigualdade racial, mas, como o próprio chat informa, a contribuição da cultura negra no folclore brasileiro ou foi silenciada ou foi estereotipada.

Alguém poderia recomendar um livro que equivalesse ao conteúdo de Macunaíma sob a ótica da contribuição negra para o folclore? Seria muito bom ter algumas obras de referência.

Curupira e os banheiros públicos

Muito antes de estudar lendas brasileiras, eu reparava numa peculiaridade das latas de lixo de banheiro públicos. Entenda-se público, aqui, como qualquer lugar que não seja o banheiro de casa. Ao lermos um aviso recorrente para não jogarmos papel na privada, buscamos a lata de lixo. E eis que ela está, em geral, posicionada num local para trás de onde nosso pé pode alcançar. É como se todos nós, como Curupira, pudéssemos inverter a posição de nossos pés para alcamçar aquele malfadado pedal que abre a lata. Então penso: será que há um pouco de Curupira na constituição mental dos arquitetos planejadores de banheiros? Dá o que pensar...

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Mula-sem-cabeça: associações simbólicas

Duas associações simbólicas surgem ao lermos a descrição lendária da criatura chamada Mula-sem-cabeça.

A primeira delas é a variação dessa nomeação com os termos "alma mula" ou "mula anima". A palavra "anima" remete à psicologia junguiana, representando a parte feminina da psique masculina. Como a mitologia é rica em arquétipos, essa conexão oferece um campo fértil para um possível aprofundamento.

A outra é decorrente de ser a mula mulher do "cura", palavra de origem latina que significa cuidado, preocupação. Interessante pensar na associação que se pode fazer de um sinônimo da palavra padre com a ação de curar. A Mula-sem-cabeça, junto à figura do "cura", induz a reflexões sobre a psicologia analítica. A palavra "cura" não apenas remete à saúde física, mas também à "cura da alma", conceito central na psicologia analítica de Carl Jung,


Brasil fantástico e A copa dos mitos: uma narrativa divertida

Dica de leitura: A copa dos mitos, de Christofer Kastensmidt, narrativa do livro Brasil fantástico, Ed. Draco.

Kastensmidt, o autor, é virginiano estadunidense, entusiasta das lendas brasileiras. É desenvolvedor de games, criador de roteiros de filmes, HQs, e é também escritor ganhador de muitos prêmios. Em A copa dos mitos, ele promove uma disputa entre deuses e heróis famosos da Europa, especialmente da mitologia grega, contra as criaturas das lendas brasileiras. Adivinha quem ganha? Se quiser descobrir, leia o conto on-line. Disponível em: https://e-reader.arvore.com.br/?slug=brasil-fantastico-lendas-de-um-pais-sobrenatural. Acesso em 31 dez 2024.

Lendas brasileiras: uma opção sensível de vida

Foi numa crise de identidade, que comecei a buscar alternativas para morrer com meus sentimentos menos colonizados. Isso durou muito tempo, até chegar nas lendas e no folclore brasileiro. O caminho não podia ser pela música. Esse já estava traçado por uma ilha do hemisfério norte monopolizadora do estilo e da preferência musical de certos adolescentes. Também não era pelos filmes. Esses, os de profundidade psicológica e filosófica, lá daquele continente cheio de brancos com olhos claros, já tinham me arrebanhado. Religião? Houve um tempo em que aquele oriente, que não é o extremo, me deixou curiosa dizendo que fé e ciência podiam caminhar juntas. Só isso, por si só, já ganhava em muito da religião de meu país, que sempre pareceu fazer oposição ao desenvolvimento científico. E a moda mais recente, as séries de streaming, nem sei se existem por aqui. Mentira, sei que devem existir, mas meu coração - e aceito a pieguice que se atribui a esse órgão, assim como a mais nobre expressão de nossa alma - está arrebatado pela linguagem, pela estética, pela arte, pela sensibilidade e até, por que não dizer, pela potência econômica de um pequeno país que é um tigrão asiático.

Assim sendo, de volta ao conflito interno de não querer morrer presa a tantas coisas que não me pertencem, com uma vontade enorme de fincar raízes nessa minha terra desconhecida, por mim, emocional e geograficamente, chego a um lugar em que se descortina uma verdadeira maravilha, arrebatadora pela quantidade, variedade, criatividade, naturalidade e todas as -ades que se puderem imaginar. Meu gps interno anda até desgovernado de tanto lugares que tenho para visitar, de tantas leituras que quero fazer, de tantos desenhos que tenho vontade de desenhar, de tantos relatos que tenho vontade de ouvir. Encontrei um sem fim de Brasil nas lendas dessa terra. Mais poderosas, ao menos para mim, que a força que se dissemina nos mitos famosos e nas mitologias desse mundo afora, que até agora pude conhecer. Já posso morrer feliz.

Caipora e o tatu Juão - contação de causo

Conta Câmara Cascudo* que, depois de uma caça memorável no Rio Grande do Norte, um grupo de homens se reuniu para assar e jantar um tatu. ...